quarta-feira, 10 de março de 2010

TOO OLD TO ROCK’N’ROLL, TOO YOUNG TO DIE..

Luiz Carlos Sá

(Coluna Vida de Artista da Revista Backstage*)

Em 1976 o Jethro Tull, grupo de rock britânico liderado pela figuraça do flautista, vocalista e compositor Ian Anderson - que costumava tocar sua flauta apoiado numa perna só como um estranho saci ruivo – lançou um disco com o título de “Too Old to Rock’n’Roll, Too Young to Die”. “Muito velho para o rock, muito novo para morrer”, clamava Ian, do alto dos seus vetustos vinte e nove anos...
Ian é de 1947, está aí vivão, bem disposto e tocando ainda com seu Jethro Tull pelo mundo afora e cuidando de sua criação chilena de salmões. Mas naquela época era assim mesmo: a gente achava que depois dos trinta só a morte nos esperava. Acreditávamos na eterna juventude proporcionada por um Rock’n’Roll, evidentemente contestatário, que exigia então ou que morrêssemos cedo ou que parássemos de tocar e fôssemos criar os filhos em Suburbia, abrindo lugar para a próxima onda enraivecida de rebeldes. Tínhamos enorme preconceito contra os “velhos”, termo que abrangia gente de todas as idades que não concordasse com nossa maneira de viver ou pensar. “Não confie em ninguém com mais de trinta anos/não confie em ninguém com mais de trinta cruzeiros” era o que aconselhava um hit de Marcos e Paulo Sergio Valle, ambos hoje sessentões e atuantes. Como se pode ver, pagamos nossa língua: muitos de nós ainda são vítimas desse eterno preconceito que ajudamos a criar nas décadas de 60 e 70. Justiça nos seja feita: o mundo estava mesmo muito velho, eh, eh, eh... Mas esquecíamos que para viver o presente e preparar o futuro tínhamos que olhar o passado. Bem verdade que, num acesso de lucidez, eu e meus parceiros Rodrix e Guarabyra intitulamos nosso primeiro LP, lançado em 72, de “Passado, Presente, Futuro”. Pensando melhor, acho que naqueles tempos de ditadura, “velhos” significava “opressores”...
Ainda há sinais de preconceito no horizonte pós-pós-moderno. Dou exemplos: no meu qüinquagésimo quarto aniversário eu estava num show do Cake, no MAM, Rio de Janeiro, dançando e cantando as letras que sabia de cor. De repente, virei-me pro lado e dei de cara com uma jovem moçoila que me olhava com uma expressão intrigada. Sorri para ela e fiz um gesto de “qual é?” e ela chegou mais perto e gritou no meu ouvido: “como é que o senhor sabe todas as letras?” Caramba, porque eu não saberia? Certamente ela pensava que gostar do Cake era um privilégio de outra geração! Esse preconceito, claro, não é generalizado, mas fica latente à medida que nossa “jovem” geração setentista, criada em meio ao então recém descoberto poder que a juventude nos emprestava, envelhece menos que as anteriores. Amparados pelo cavalar progresso tecnológico do século 21, morremos cada vez mais tarde e acumulamos uma experiência que pode ser extremamente valiosa, mas é vista como um obstáculo por quem vem atrás, batalhando por um lugar no mercado de trabalho, no mundo, na vida. No caso particular da música, o amadurecimento que aplaina as diferenças pessoais e – por que não citar a verdade de muitos casos? - a necessidade de juntar uma caixinha pra velhice faz com que mais e mais grupos de rock dos anos 70 e 80 se reúnam e voltem à estrada com uma energia insuspeitada, fazendo shows vibrantes para platéias de todas as idades: os pais, lembrando dos “bons tempos” e os filhos entendendo por que os pais achavam aqueles tempos tão bons. Acredito que isso aconteça por que o rock dessas décadas traga uma mensagem libertária ainda não efetivamente repetida nos tempos atuais, que para muitos de nós daquelas gerações parecem, ironicamente, mais restritivos e repressores.
Há poucos anos atrás eu conversava no aeroporto de Vitória com os Titãs Tony Belloto e Charles Gavin, queixando-me das exigências que as gravadoras faziam ao Sá, Rodrix & Guarabyra, pedindo sempre regravações de velhos sucessos. Para meu espanto eles se confessaram pressionados com as mesmas exigências, apesar de integrarem um grupo dez anos mais novo que o nosso. E há menos de um mês li uma entrevista do Charles, recém saído dos Titãs, falando sobre o stress que a estrada provoca em muitos de nós. Para sobrevivermos na doce selva da arte, ficamos distantes de casa, mal vendo os filhos crescerem, tendo que dedicar o essencial de nosso tempo de vida a ser um artista em evidência. Charles, por exemplo, fala que encheu o saco de ter que viajar pra fazer shows todo o fim de semana, o que seria sonho de consumo de 130% dos principiantes que conheço. Mas entendo perfeitamente o que ele quer dizer. E entendo mais ainda quando ele aponta a contradição entre ser um músico de rock e enfrentar a passagem do tempo. A cabeça muda. A música muda. Os objetivos mudam também. Não conheço um músico de qualidade sequer que não se canse um dia dos clichês roqueiros e parta para diversificar seus destinos musicais. Há sempre a necessidade de tentar novas experiências. Mesmo não significando infidelidade às origens, elas trazem um sabor diferente a ser provado. Afinal de contas, a inquietude não é um dos principais postulados do rock? Talvez por isso estejamos assistindo cada dia mais a tentativas de misturas entre nossas tradições musicais e os ritmos que chegam de fora, comprovando nossa tradição antropófaga (!) posta em evidência pelos tropicalistas. Então acontecem redescobertas de caras já não tão novos e com uma respeitável bagagem de estrada, tipo Lenine (que eu diria ser um “rockruralista” moderno, com seus derivados de xotes e baiões cheios de peso instrumental e vocal), Marcelo D2 e seus raps egressos do samba de quadra, etc.. Do outro lado da cerca, centenas de outros menos famosos de todos os tipos, gêneros e idades lutam por um lugar ao sol nessa floresta de myspaces, facebooks e similares, misturando tudo que é som numa geléia de inimaginável diversidade e qualidade quase sempre duvidosa .
“Muito velho para o rock, muito novo para morrer”... Acho que o que morreu mesmo foi o sentido dessa frase, enterrado sob cada show dos sessentésimos Rolling Stones, do AC/DC, do Deep Purple, do Metallica ainda com Ulrich e Hetfield e de muitos outros mais, que transformaram em condecoração o deboche contido no epíteto “dinossauros do rock”.Eu, particularmente, continuarei me divertindo no palco enquanto juntas, músculos, cartilagens e ossos agüentarem, ou até mesmo depois disso, já que não deve faltar muito até inventarem uma espécie de clone sensitivo que possamos colocar no palco com nossos pensamentos, palavras, aparências e gestos. E nós, dinossauros convictos, confortavelmente sentados numa poltrona na coxia, controlaremos nosso alter ego mecatrônico com um sofisticadíssimo joystick, recebendo em troca, num chip implantado diretamente em nossos corações, a inesquecível e indispensável carga energética da platéia em delírio...



*Do Livro Vida de Artista que será lançado em breve!

2 comentários:

Anônimo disse...

O Kraftwerk já começou a colocar robôs com a própria fisionomia no palco. O legal é que isso é feito num momento específico e a "animação" daqueles caras em cima de sintetizadores e teclados numa fria e envolvente música eletrônicaque dá a impressão ao público que eles nunca saíram de lá. É interessante e um pouco triste também...

Licínio Filho disse...

Caro Sá,
os sons serão eternos. Envelheço agarrado às minhas referências lá de muito tempo, gosto do novo também.
Mas é triste perceber como a memória é curta nestes tempos cibernéticos.
"Eu ainda sou aquele sonhador, me desculpe se o que sinto é muito antigo..."
Lembra?